
A importância da literatura para a formação humana
Por Wellington Nery*
Por Wellington Nery*
Vez por outra, deparamo-nos com distintas pessoas que nas mais diversas situações da vida humana demonstram sua relação com a literatura em pequenas nuances ou até mesmo em abruptas assertivas: “não gosto de ler. Literatura para quê?” Contudo, via de regra, tais pessoas preferem manifestar publicamente, em seus discursos quase monossilábicos, uma falsa admiração e até mesmo certa paixão pelo mundo das letras. Acontece que tais palavras proferidas aos sete ventos não correspondem à realidade vivenciada, pois restam sempre desculpas: “nos falta tempo. são tantos afazeres importantes; tantas obrigações, tantas responsabilidade que não podemos perder nosso precioso instante mergulhados num livro”. Conforme tal raciocínio, a literatura seria uma atividade humana dispensável, uma mera diversão para que pessoas com muito tempo livre possam preencher seu cotidiano vazio. Ledo engano: a literatura é - e haverá sempre de ser – não importando o meio pelo qual se propague, se é divulgada – a maior manifestação do intelecto humano, a matriz formadora das sociedades e o mais importante meio pelo qual o ser humano transmite e preserva sua cultura, seus valores e sua liberdade criativa.
Apresentamos agora alguns argumentos contra a ideia da literatura como passatempo, pois a consideramos, a arte mor, o vínculo essencial que congrega e distingue os homens dentre os demais seres da natureza e dentre a própria humanidade. A literatura é o bálsamo mais estimulante e enriquecedor do espírito humano. É uma atividade nobre, arte insubstituível para a formação de cidadãos na sociedade pós-moderna e democrática. Por essas razões, ela deve ser semeada nas famílias desde a terna infância e deve fazer parte de todos os programas educacionais e culturais das nações, agrupamentos humanos e civilizações que visem à evolução enquanto ser humano. Entretanto, deparamo-nos com um imenso vazio na área de políticas públicas voltadas para essa essencial estrutura civilizatória. Nosso país não é feito de livros e homens como bem queria o baiano Ruy Barbosa. Nosso Estado Nação é formado por retalhos e fragmentos de pseudo-intelectuais que forjaram uma mentira repetida mil vezes até torna-se a mais cruel realidade: somos um país de iletrados, analfabetos funcionais, pois assim querem nossa elite econômica e sua turba de marionetes políticas e sociais. Cadê a educação? Por onde anda a cultura? E a arte? Todas se situam à margem da plebe rude, na marginalidade noturna, na boemia perene que sucumbe ao medo factual e à fome de sonhos que nunca se realizam por serem desestimulados desde o ventre fecundo até o salto do delírio onírico.
O extraordinário desenvolvimento da ciência e da tecnologia e sua conseqüente fragmentação do conhecimento fizeram germinar uma era de especialização o que tem possibilitado avanço de pesquisas e experimentos, força motriz desse progresso. Todavia, estamos destruindo nossos denominadores comuns culturais, nossos elos de coexistência, nosso liame de comunicação e solidariedade. Tudo isso nos tem levado à “[...] separação dos seres humanos em guetos culturais de especialistas, confinados - pela linguagem, por códigos de conduta e pelo conhecimento particularizado - a uma especificidade contra a qual um antigo provérbio já nos advertia: não se concentre tanto na folha, a ponto de esquecer que ela é parte da árvore e esta, da floresta (Llosa, 2003)”.
As civilizações e sociedades humanas para a sobrevivência e preservação de suas espécies dependem do senso de conjunto que dá unicidade aos seus pares, não os deixando desintegrar-se numa centena de fagulhas de especificidades. A ciência e a tecnologia, portanto, já não bem desempenha tal papel unificador da cultura. A palavra escrita, a comunicação oral transmitida de geração para geração, a literatura, por mais rústica que seja, por sua vez, foi e, enquanto existir haverá de ser, um elo comum da experiência humana na face terrestre. Para LLOSA 2003, “[...] aqueles de nós que leram Cervantes, Shakespeare, Dante ou Tolstoi entendem uns aos outros e se sentem indivíduos da mesma espécie porque, nas obras desses escritores, aprenderam o que partilhamos com seres humanos, independentemente de posição social, geografia, situação financeira e período histórico”.
A melhor proteção humana contra a estupidez do preconceito, o ódio do racismo, a doença da xenofobia, a embriaguês do sectarismo religioso ou político e a bancarrota do nacionalismo excludente esta na verdade relativa da grande literatura que em síntese proclama aos sete ventos, em voz altiva e vivaz: somos todos tão essencialmente iguais. Os melhores ensinamentos sobre a vida tenho colhido dos bons livros de minhas parcas estantes. Romances, poemas, fábulas, crônicas, ensaios, artigos, biografias, textos técnicos, filosofia, arte, política, ficção, novela, auto-ajuda entre tantos outros escritos de luz e de sombra tem-me revelado um pouco da quão bela, diversa e contundente é a vida humana.
Hoje melhor enxergo nas diferenças étnicas e culturais a riqueza do legado humano e sei estimá-las como manifestação da multifacetada criatividade humana. “[...] Ler boa literatura é ainda aprender o que e como somos - em toda a nossa humanidade, com nossas ações, nossos sonhos e nossos fantasmas -, tanto no espaço público como na privacidade de nossa consciência. Esse conhecimento se encontra apenas na literatura. Nem mesmo os outros ramos das ciências humanas - a filosofia, a história ou as artes - conseguiram preservar essa visão integradora e um discurso acessível ao leigo, pois também eles sucumbiram ao domínio da especialização. O elo fraternal que a literatura estabelece entre os seres humanos transcende todas as barreiras temporais. A sensação de ser parte da experiência coletiva através do tempo e do espaço é a maior conquista da cultura, e nada contribui mais para renová-la a cada geração do que a literatura (Llosa, 2003)”. Vivo lendo, pois a literatura permite-me viver intensamente tudo aquilo que a imaginação e uma folha em branco me revelar. Expio culpas, desafio medos, transgrido convenções e embriago-me em paixões platônicas, pois triste e vazio é um mundo sem letras, uma vida sem sonhos.
Fonte: LLOSA, Mario Vargas. Um mundo sem romances. Lima: Seleções Reader's Digest, 2003.
* Jornalista Profissional filiado a FENAJ, ao SINJORBA e a AJI: DRT1958BA
Professor da disciplina Comunicação em Saúde do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Saúde Coletiva da UESB
Membro do Conselho Comunitário de Jequié e do Conselho de Cultura de Jequié
Vice Presidente da Associação Jequieense de Imprensa
Nenhum comentário:
Postar um comentário